
Eduardo Madeira
ISIS FAUN OU
A BIBLIOTECA DE MADRID
(Para L.S., que fica)
Fecha os olhos que eu te toco o rosto e te falo do mar, te falo do deserto, te falo das coisas feias e das coisas vis, te falo da guerra e te toco no pau. Falo-te das bibliotecas de Madrid, da paz que eu senti, do choro no orgasmo, das músicas que jamais ouvimos, das imagens que jamais compartilhamos.
Uma delas, falo das bibliotecas, foi-me leito. Dormia lá, empertigada entre livros e sonhos. Inclusive o sonho de lhe encontrar, e te falar também do mar e das baratas que abriguei no estômago. Mas você. Tua alma é grego pras minhas demandas. Quem sabe basco, a língua do diabo. Teu foro íntimo é página cifrada da nossa história.
Meus olhinhos de pinball, atônitos, miraram seus olhos de jabuticaba que, distantes, miravam o horizonte ou a ti mesmo. Ainda não sei qual dos dois era mais longe.
Agora escuto aquela música. Eu tenho a sensação de que todos nós, seres humanos, já fomos um dia entidades maiores, de proporções colossais, com uma noção de consciência completamente diferente e feitos de uma matéria que obedecia a outras leis, a outras forças. Um dia, todos nós colidimos, e nossas partes se espalharam ao longo da existência, formando aquilo tudo que chamamos de universo. Coisas, afetos, pessoas, palavras, números, sorte, desejo, prédios, musas, cavalos, aparelhos, plantas, lebres-do-mar. Eu suspeito que essa música seja uma dessas partes, e que ela tenha vindo de mim. Não vou deixar de escutá-la. Você não tira ela de mim.
Você foi sem ter chegado exatamente, sem ter enxergado exatamente. E la nave va, e o que será será. Meus ouvidos auscultam teu silêncio. Meus dedos finos afagam os encalços do teu ir. A música fica.