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Priscila Machado

INVICTO, VOCÊ DESAPARECE NA ESTRADA

Priscila tem 26 anos

e veio do Sertão há quase quatro. 

É curiosa e inventiva de nascença, gosta muito da vida e de aprender. 

Na cena final de The Bridges of Madison County, Francesca Johnson aparece dividida entre o desejo e a responsabilidade que lhe pesa sobre as costas. Sôfrega, ensaia um gesto com a maçaneta, mas a força que a culpa exerce sobre ela não lhe permite a realização de sua vontade. Rende-se, enfim, àquela hora exata em que se tateia a realidade do impossível, do nunca mais. Desejo, paralelo ao gradual desaparecimento de meu retrato no seu retrovisor, resquício de dor semelhante à que acertou Johnson lhe percorrendo a espinha. Esquecimento tem efeito contrário e anestésico; distância, espectro incerto e vertiginoso sem retorno. As fronteiras, pensava ser linhas imaginárias no mapa, estão vivas, são de espessura bastante razoável: sem os óculos de mergulho, tornam-se maiores, intransponíveis. Entre ecos e acasos, você me acena sorrindo de seu carro em movimento numa autoestrada cor de sangue. Foi lá onde corri descalça e ralei os joelhos em incontáveis quedas de bicicleta na infância. Não nos esbarramos por um deslize. Quem sabe um erro de cálculo na linha temporal e alguma família aristocrática, no meio do caminho, você não olha pra mim, não me empresta seus brinquedos e as enciclopédias adoradas, brinca de xadrez com a garota que não sou. Meu carro imediato atrás do seu. Você dirige sem hesitação ou balanço capaz de tremer a direção- “já tentou sem as mãos no volante?”- as suas mãos firmes, e minha existência inteira, totalmente abalável ao menor toque, encosto: antes de eu sobrar na curva, você desaparece no horizonte. 

“Todas as histórias são atormentadas pelos fantasmas 

das histórias que poderiam ter sido” 

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