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ESSA MENSAGEM FOI APAGADA

Ivna Girão

Sou Ivna Girão. Mulher, mãe, filha, jornalista, historiadora, escritora.  Flâneur. Na vida, adoro celebrar passarinhos e cortejar plantinhas. Amo bordar, fazer poesias e contos, um café quentinho, o abraço dos filhos Amaro, Bento e Maria. Sou, atualmente, coordenadora de Comunicação da Secult Ceará, e trago experiências em jornalismo cultural, em direitos humanos e novas tecnologias.

Tenho fé na vida.

 

ivnanilton@gmail.com  

Era tempo de epidemia, cada um no seu canto, uma quarentena para evitar adoecer e uma única forma de se ver: tudo no mundo virtual - vídeo-chamada e textão o dia todo, bem chato e muito repetitivo. E do nada, depois de dias de sumiço dele, lá vem com esse maior mistério do planeta: escreveu a mensagem no zap, enviou e depois apagou. 

 

O que tinha para dizer que não disse? Apagou porquê? Ou era um áudio carinhoso como se, ao pé do ouvido, você cantasse aquela canção do Roberto. Talvez não. Ou seria um texto, amargo e bem cruel, decretando o fim da relação, aquela sua dureza de sempre que eu logo desmancharia com um convite - "comprei pizza, vem jantar". Como saber? Ele apagou. Um rastro de dúvida ficou entre a falta de notificações na tela e o coração atordoado dela. 

 

Não aguentava mais o tédio de teclar o dia todo, de conversar com ele sem sentir o cheiro, sem saber o que entendia. Instagram pra passar o tempo, cantar aniversário no zoom, a cerveja da sexta no zap, fala com a tia idosa, chatice de home office, live de forró, especialista pra lá e pra cá. Nesse movimento, ele ficava mais off do que online. Entrou em quarentena pra ela.  

 

Como ele ainda se atrevia nesse escrever e depois apagar? Como saber? Pior do que o silêncio do outro lado da linha é esse "escrever-e-apagar" sem se explicar. 

 

60 dias de isolamento. Foi isso, a relação esfriou. Eram dois corações trancados, cada um no seu quadrado. Fique em casa, dizia o comercial. Num pode sair nem pra fazer as pazes? Para perguntar se rola uma DR? Nem aquele sexo de reconciliação? Não. 

 

Era para eu ter pedido pra ele juntar as escovas e vir morar comigo, pensou. Na quarentena - num rola mais dúvida, ou se separa ou se casa logo. 

 

Mais de dois meses sem se ver. Podia ser então um áudio de poesia falando de música de saudade, um trecho de Bethânia mal cantada. Num era? Uma mensagem de carência foi apagada. No vazio dos dias, descobriram enfim a falta um do outro - ele era o copo "meio cheio" dela. Eis uma pandemia no meio da vida, pra destroçar o mundo e o coração maltratado. E agora? Ia dar certo se ver? Mais 30 dias de isolamento. Os dois  seguiram isolados e ela morta de curiosa: era lockdown do amor ou da desilusão. 

 

Crise da epidemia piora no Ceará, a curva não se achata, tanto corpo para pouco sete palmos de terra para enterrar. Doença se agrava. Epidemia de tristeza. Mais de 10 mil mortes. Ela, assim como não quer nada, vai zapear o insta: postagem de amigos com a palavra luto, o sorriso bonito do seu amor nas fotos dos stories dizendo "siga agora para o encontro com o Pai". 

 

Ele virou estática, faleceu do vírus, assim de um dia pro outro, e num segundo, uma cova rápida e rasa se abriu no seu peito dela. O que tinha na mensagem apagada? Pensava, enquanto a dor lhe abarrotava. 

 

Ele se foi, não deu tempo. De um beijo agoniado, de abrir a mensagem desgraçada. E quando se acaba a vida, o amor também devia se deletar junto, se enterrar junto, ser bloqueado na hora. Agora, carregava uma "mensagem apagada" e um luto desesperado.  

 

Ivna escreveu esse conto, enviou e depois apagou. "Essa mensagem também foi apagada". 

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