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Marcio Di Antonino

CARTA DE AMOR

Dianton , ArtistescritoR , 

marciodiantonino@gmail.com

Fortaleza, chove no zoológico entre a minha jaula e a sua.

Meu amor, escuto seu silêncio trazido pelas gotas da chuva. 

Eu deixo aqui escrito, para que as palavras não se excedam para fora da minha boca.

 

Lá vêm elas │essas miseráveis palavras │atrás de mim

 

Você não precisa estar longe, na periferia onde trabalha e vive, para fincar a espada da sua ausência em mim. Essa ausência é suportável pela espera do cheiro que traz e preenche os cômodos da minha solidão. Minto! Sua ausência continua com nossos corpos se esquivando; pela recusa da sua pele, mesmo quando explode e seus olhos se perdem para além dos telhados molhados de chuva. Solitário boi num pasto infinito.

As esquinas brancas do meu quarto são duras e arranham nossa mornidão. Que fronteira é essa que se interpõe entre o meu e seu corpo? Que cercas elétricas são essas, abandonadas entre o meu e o seu sorriso?

O barco que nos conduz enfrenta uma tempestade de mudanças e somos lançados contra as grades de nossas jaulas, pensativos, reflexivos. Nossos silêncios relutam contra a calmaria e são rígidos, austeros; silêncios de quem se conhece de muito longe e quer sempre o outro à espreita. Desde que de branco eu me vesti para Oxalá porque era sexta feira e Iansã nos lançou um contra o outro, pois era seu dia, este barco não encontra seu cais.

Será que orna mais dois quadros na parede de um porto seguro? Será que vale o prego rasgando a parede em prantos?

No meu mar tempestuoso, preferiria cegar teus olhos a enfrentar essa conquista; uma tarefa quase impossível para mim. E os seus olhos, suportariam a reconquista dos meus?

E por ser improvável, como a noite que se irrompe no meio do dia, tua voz maliciosa se afasta para longe dos meus vitrais, agora fechados para o açoite impiedoso do vento noturno nas colunas do meu frágil império. Restou o eco, a claridade insistente, o cheiro da tempestade que se avizinha no casco de pernas fortes.

Costurado à esquerda, abaixo do equador, as penas do ganso amestrado, presente seu, enfeitam um resquício da minha fragilidade que encontrou na torre de onde vigia os navios que me rondam. Será aí, no lusco fusco das refrações luminosas, que trama sua irascibilidade, a força necessária para apunhalar meus calcanhares e deixar me preso aos seus delírios mundanos? Na brecha insana da sua ereção solitária, será aí que habita meu norte? Ou meu sul de serras cobertas de neve e peles de ovelhas? Meu oeste, se ainda me recordo, ficou no ocaso de uma tarde que se pôs no seu peito. No leste, nunca nasci, senão um aborto de resquícios vermelhos e espinhosos de todos os outros homens.

Um deserto sempre noturno, copa fechada de mangueira de quintal, de onde inspeciona picadeiros de circo e ri. Sempre sozinho, ri, para em seguida comentar seu riso ante sua máscara no espelho.

E mais nada a dizer porque não se tem nada a dizer diante de um escárnio solitário.

 

P.S. Eu presenciei suas poucas palavras recheadas de silêncio e medo.

Do seu puto e insano amor,

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